É possível atribuirmos uma linguagem construtiva na relação com a família e com o sujeito identificado?
É possível produzir sentido, no atendimento clínico, ao sujeito, à família e ao terapeuta?
O que é a família? Um grupo de elementos interdependentes, que organizam um todo e que apresentam um funcionamento próprio. É um sistema vivo capaz de se auto proteger e buscar o seu equilíbrio próprio. Há um objetivo comum que une esses elementos pelos vínculos entre eles, de afinidade, afeto e solidariedade e que vivem juntos.
O que é o sujeito/paciente identificado? É o sujeito que vem para o consultório com a família, e que apresenta um quadro de dificuldade de aprendizagem ou comportamental, às vezes sem desejo de aprender ou que tem o desejo para aprender, mas não aprende.
Os pais deixaram de ser vistos como agentes nocivos, e surgiu a ideia de que a patologia era inerente aos relacionamentos entre pacientes, pais e outros significativos. Essa mudança teve consequências profundas. A psicopatologia já não estava mais localizada dentro do indivíduo; os pais já não eram vilões, e os pacientes já não eram vítimas. Agora, a sua interação era vista como o problema (NICHOLS).
Quando nós terapeutas, apresentamos uma escuta alargada, somos capazes de ouvirmos a família e adentrarmos ao universo familiar, para juntos compreendermos o que está por detrás desse sujeito identificado. O objetivo a ser alcançado, é uma mudança de foco do paciente-identificado para o grupo familiar, como um todo. Virginia Satir, procura fazer com que a família perceba que estão trabalhando com um sistema familiar, para o qual, cada elemento traz uma contribuição. Ela diz da importância em tirar o rótulo do paciente-identificado.
Qual a relação entre o sujeito identificado e a família e vice-versa? O sujeito é constituído pela produção social, pelo ambiente familiar e pelo sistema que é vivo. Sociedade, família, escola e, agora, com o terapeuta.
Quando recebemos um paciente, na clínica psicopedagógica, perguntamos à família qual o motivo, qual a razão pelo atendimento psicopedagógico. Em psicopedagogia, nomeamos pela busca ou procura do atendimento.
Durante a sessão de anamnese, a nossa escuta se amplia de tal forma, que os conteúdos da anamnese, tem uma relevância e significância, igualmente, quando ouvimos uma música, o tom mais alto e baixo, grave ou agudo, será um momento para a dança ou para recolhimento? Construímos a anamnese com a família, para além das perguntas mais objetivas e dados históricos do paciente identificado.
Quando a família fala, pensamos nas palavras que estão dizendo, nos gestos e movimentos do corpo, de cada um do membro familiar e observamos, dialogamos a partir da fala do outro, nos sentimos afetados, para nos organizarmos emocionalmente e mentalmente.
A partir desta conversação, é importante pensarmos como as pessoas estão se relacionando e conscientizarmos à descoberta de que há uma corresponsabilidade na globalidade desta família.
Há interação entre o terapeuta e a família e se há abertura, avaliamos se fazemos novas perguntas, a partir do que foi dito por eles, se solicitamos mais histórias, ou outras histórias, ou se focamos as circunstâncias do momento da sessão, ao contexto aqui e agora, se algo poderia ser modificado, naquilo que foi dito pela família.
Aqui, trago a minha observação pessoal no atendimento à família. Questiono-me, pergunto-me, expresso-me, observo e me incluo como mais um elemento, naquela família, interajo com ela.
A subjetividade está presente em cada família, em cada sujeito e em cada terapeuta. O comportamento de um membro da família pode afetar o outro, que afeta o outro membro e assim, sucessivamente. Um sintoma, não necessariamente, apresenta uma causa, mas tem um significado construído pelos envolvidos em uma relação e dentro de um contexto, tendo, portanto, um sentido e valor na comunicação.
A fala da família fala comigo diferentemente, dentro de mim, dentro da minha subjetividade de terapeuta.
A subjetividade do terapeuta deveria ser um elemento confiável no qual ele pode se apoiar no processo terapêutico e ao analisar as suas reações, isso lhe permitirá utilizá-las para suas estratégias terapêuticas. Sua subjetividade é a sua melhor aliada. Para o autor Ausloos, ele cria tempos e velocidades diferentes, nas relações que estabelece com cada família. Ele interage com a fala da família e reflete se está à altura, se está preparado à conversa ou se fica preso aos seus próprios significados. Esses significados devem lhe tocar para entrar na conversa, para construir junto um diálogo que produza sentido e significados para todos e produzir uma conversação colaborativa em prol do crescimento à família e a ele, humanamente. Nessa perspectiva, acredito na mobilização da terapia para ativar o processo e circularizar a informação, colocar-se à frente às possibilidades de utilização da informação da e para a família.
De acordo com Guy Ausloos, o que mais preocupa os pais é a própria desorientação diante dos conflitos com os filhos. Eles não sabem o que fazer e escutam teorias contraditórias: algumas recomendam que os pais devem conversar e explicar, outras que os pais devem agir. Surgem várias teorias do que é ser um bom pai e uma boa mãe. As famílias são desestabilizadas por dificuldades e mutações dos estatutos parentais, pela perda dos valores tradicionais, pela violência social e pela incerteza quanto ao futuro perante as questões sociais.
Tom Andersen traz à luz, o pensamento de Maturana e Varela que considera a pessoa como um todo. Uma pessoa pode ser o que ela é, significa que ela só poderá reagir a uma determinada situação com algum recurso do seu repertório. No entanto, com o tempo, esse repertório pode ser alterado devido a algumas velhas formas que estão desaparecendo aos poucos e outras novas que estão surgindo. Quando uma pessoa se fecha a um distúrbio, essa atitude também pode ser considerada uma resposta a algo que é experienciado como incomum demais.
Na família, quando há o sujeito identificado, com um problema, esse distúrbio é parte de todos, se ampliamos essa conotação e nos responsabilizamos juntos pelo sujeito, criamos repertório e as narrativas vão se construindo na relação social entre o sujeito, a família e o terapeuta e todos crescem na constituição da família, inclusive o sujeito.
Hoje, há uma característica particular, na forma como nos relacionamos com as famílias, quando pensamos em pais disfuncionais, causa-nos uma estranheza, pois também ocupamos o papel de membro da família, representamos parte da nossa família e podemos nos colocar no lugar delas, que atendemos e podemos evitar o uso do termo disfuncional. Quem não apresentou um comportamento não funcional com um dos nossos entes queridos, essa pergunta é boa para fazermos a nós terapeutas.
O pensamento pós-moderno, ao papel do terapeuta, colabora e quebra paradigma, incluindo-o como observador no sistema vivo e que interfere neste com as múltiplas distinções que faz, com sua experiência na conversação, fazendo autorreferência e trabalhando com a mudança no sistema, admitindo que não controla o processo, portanto, respeita a verdade da família. O terapeuta/observador reconhece-se como parte do sistema e atua na co-construção da realidade ou contexto familiar, isto é a terapia sistêmica que tem um viés interacional.
E, ao estudarmos esse termo, o autor Guy Auloos, diz, que é possível enxergar a competência na família, por meio de uma ação positiva, conversação positiva (conotação positiva) e não a disfunção. O autor questiona: Deveríamos olhar as famílias como disfuncionais ou como competentes para as tarefas que deveriam cumprir?
Nas palavras de Auloos, conotar positivamente o sistema ou o paciente identificado é destacar o que há de positivo no funcionamento do sistema ou no comportamento do paciente. É passar de uma definição patológica da família à ativação de suas competências. É ressaltar que, no funcionamento que tínhamos tendência a etiquetar negativamente, a família mostra também sua competência. É colocar em evidência que o comportamento do paciente identificado não é apenas prejudicial, mas revela também recursos.
Ainda, segundo Auloos, as famílias têm as competências necessárias para efetuar as transformações necessárias. Nós teremos melhor tempo para: – lhes permitir compreender melhor, do que lhes transmitir nossa compreensão; – lhes deixar a responsabilidade da mudança mais do que ser o agente; – nos abrir para o imprevisto mais do que querer controlar tudo. Eles terão melhor tempo para: – achar suas autossoluções mais do que seguir nossos conselhos; – poder experimentar antes de decidir; – se comprometer com o futuro mais do que se voltar para o passado.
Esse processo de autossoluções é constituído pelo conceito da circularidade que é fazer circular a informação, permitindo que as famílias encontrem suas próprias soluções. Segundo o autor: Uma família só pode se colocar problemas que seja capaz de resolver.
Nossa intervenção terapêutica, às vezes, nos leva a tomar nossas teorias como sendo verdadeiras e as melhores, mas o que respalda a nossa intervenção é ativar o processo terapêutico da sessão. Fazer o questionamento para circular o que é dito, refletido e devolver de forma que seja pertinente à família.
Acolher a família, pela vinda do sujeito identificado, é um caminho bom, como intervenção terapêutica.
Referências bibliográficas:
ANDERSEN, Tom. Tradução Rosa Maria Bergallo. Processos Reflexivos. NOOS. ITFSP. Rio de Janeiro. 2ª ed. 2002.
MCNAMEE, Sheila; GERGEN, Kenneth J. Tradução Cláudia Oliveira Dornelles. A terapia como construção social. Instituto NOOS. São Paulo. 2ª ed. 2020.
AUSLOOS, Guy. Tradução Equipe da Terra dos Homens. A competência das famílias. Booklink. Rio de Janeiro. 2ª ed. 2011.
BARRETO, Adalberto de Paula. Terapia comunitária – passo a passo. LCR. 2008.
NICHOLS Michael P.; Schwartz Richard C. Terapia Familiar – conceitos e métodos. tradução Maria Adriana Veríssimo Veronese. – 7ª. ed.– Porto Alegre: Artmed, 2007.
https://www.redepsi.com.br/2008/12/15/psicoterapia-do-grupo-familiar/.
Ruth Nassiff – Pedagoga, psicopedagoga, terapeuta de família e casal, mediadora do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI 1 e 2), do Professor Reuven Feuerstein, Orientadora Profissional, Diretora Cultural Adjunta - Gestão 2020 – 2022, da Associação Brasileira de Psicopedagogia da Seção São Paulo e Orientadora Educacional de escola privada de São Paulo.
A relação entre o sujeito identificado, a família e o sujeito do terapeuta
