Como nós, educadores e profissionais da área da saúde, orientaremos pais, crianças e adolescentes com relação ao uso da tecnologia? E quando há dependência tecnológica, uso excessivo do tempo navegando na internet e aplicativos? Será que as plataformas, aplicativos, sites, redes sociais estão adequados à faixa etária do seu filho?
Como orientar? O que fazer?
E quando o uso em excesso da tecnologia interfere na aprendizagem?
O uso excessivo da tecnologia pode ocasionar algum dano psicológico, biológico e social?
São muitas interfaces num mesmo tema, e, quando começamos a investigar o assunto, já era urgente falarmos sobre o tema nos atendimentos clínicos e escolares.
Se o assunto sobre o uso da tecnologia está presente de forma ampliada, então, como dialogarmos com os pais, na clínica psicopedagógica?
Identificamos a relação do uso da tecnologia à dificuldade de aprendizagem e ao ganho aumentado dos diagnósticos bem como ao baixo desempenho acadêmico.
Observamos sujeitos presos à tecnologia e do contato que era pessoal - olho no olho, em substituição à relação virtual. Jovens encontram namorados virtualmente e as suas relações são mantidas neste formato, do ser amigo virtual ao cancelamento virtual.
Crianças que por vezes, encontram-se com os amigos virtualmente, e jogam os vídeos games e de forma alarmante e avassaladora; jogos que pilham e deixam-nos ansiosos, se não jogar, o tédio é substituído, assim dizem que não há nada para fazer.
Percebam que tudo há influência em nossas vidas, se temos pais brigando em frente das crianças, temos crianças inseguras e com medo, na maioria das vezes, se temos professores sem o olhar de pertencimento, vivenciamos a exclusão social, e se temos a não comunicação em casa, a criança busca outras formas de se relacionar. E se temos a tecnologia tomando conta de nossas casas e das relações interpessoais, qual a atitude que tomaremos?
Talvez, vocês também, já tenham presenciado situações como essas em clínicas e escolas, a questão é que precisamos de conhecimento para conversarmos e orientarmos os pais.
O uso excessivo da tecnologia pode apresentar fatores de risco como destacam Moura, Martini, Alves e Botelho (2020), que estão interseccionados com os aspectos psicológicos, biológicos e sociais. Podem apresentar baixa autoestima, dificuldades nas habilidades sociais (manejo de sentimentos desagradáveis e baixa comunicação), timidez excessiva, transtornos mentais, depressão e ansiedade, dificuldades no autocontrole. Os fatores levantados podem se agravar aos aspectos sociais, isolamento do mundo real, os jogos como o único local de aceitação social, falta de lazer e passatempos saudáveis e gratificantes, bullying, pressão no trabalho e na escola, falta de limites quanto ao uso dos jogos, sentimento de pertencimento dentro de uma equipe de esportes eletrônicos – eSports.
Ainda segundo os autores acima, estes narram que as redes sociais também têm seus fatores positivos, mas aqui vamos destacar os aspectos negativos nesta nossa conversa.
Segundo Moura, Martini, Alves e Botelho (2020), o ciberespaço é um campo fértil para a impulsividade e a dependência de indivíduos que possuem pouco contato interpessoal em sua vida real. Os usuários da internet sentem-se tão gratificados com esse meio social que se distanciam do real. Há riscos das crianças e jovens tornarem-se vítimas e caírem em armadilhas sociais, como: pedofilia, receber influências dos youtubers, sem controle dos conteúdos, e estímulos às práticas e atividades irresponsáveis e, muitas vezes, de alta periculosidade.
Com relação à orientação aos adultos em aspectos práticos, a autora Eisenstein (2020) relata que é importante manter o diálogo entre os pais e filhos, explicando o uso adequado e qual a consequência do uso em excesso ou inadequado. É importante determinar regras de convívio e horários de uso dos dispositivos e aplicativos para a família; estabelecer limites claros se pode ou não acessar ou transmitir fotos, imagens e outras informações nas salas de bate-papo ou durante os jogos on line; ensinar aos filhos como configurar e bloquear mensagens ofensivas, discriminatórias, ameaçadoras, inapropriadas ou qualquer conteúdo violento, típicas de redes de intolerância ou ódio. Denunciar essas mensagens em sites apropriados; recomendar às crianças e jovens para não fornecer senhas pessoais virtuais ou acesso a qualquer pessoa, nem aceitar prêmios, brindes ou presentes oferecidos pela internet, nem concordem com qualquer outro tipo de chantagem, ameaça ou pressão dos colegas ou qualquer pessoa on line. Os pais são pessoas responsáveis pelos filhos e devem ter acesso às suas senhas, sem serem intrusivos; evitar postar mensagens fotos, e vídeos desconhecidos ou público geral, bloquear e não compartilhar qualquer conteúdo em redes sociais de crianças; criar tempo saudável com a criança ou o jovem fora do uso da tecnologia, passeios, refeições, finais de semana, férias, evitar o uso da tecnologia em viagens e quando estão em família; praticar atividade ao ar livre, com o contato com a natureza, para preservar a saúde física, mental, e comportamental da família, brincar mais com os filhos; trocar informações com outros pais e a comunidade escolar sobre os conteúdos de risco e práticas positivas que podem ser substituídas pelo uso em excesso da tecnologia, criar redes de proteção e segurança on line entre os adultos da vizinhança e a comunidade; acessar a classificação indicativa para a idade.
O modelo saudável para os filhos, que exigem, além da presença física, dedicação, responsabilidades inerentes ao papel dos pais; desconectar-se sempre que possível e esteja presencialmente com seus filhos. As tecnologias são meios de comunicação e sem nenhuma finalidade de somente passar o tempo e nem de passatempo.
Conforme estudamos mais o assunto sobre o uso da tecnologia em excesso, pelas crianças e jovens, mais identificamos o quanto essa dependência tem afetado as relações sociais e à aprendizagem escolar. Recebemos pacientes na clínica e alunos na escola, com o transtorno de dependência tecnológica, ou seja, a adicção da tecnologia que gera a falta de interesse em aprender e o déficit atencional para os aspectos escolares. Crianças e jovens interagindo de 5 a 8 horas por dia, com os jogos virtuais e em redes sociais, não proporciona tempo de estudo e não conseguem manter o autocontrole físico e psicológico, porque fica “pilhado” e ansioso a jogar, varando noites e madrugadas adentro e não conseguindo levantar-se ao dia seguinte para ir à escola ou para estudar.
Segundo Abreu (2020), a dependência tecnológica, a patologia digital de comportamento, deu-se recentemente, pelo reconhecimento do uso de jogos eletrônicos como um problema de saúde mental. Foi assim que, em 2013, a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5 incluiu o transtorno do jogo pela internet, como uma das novas formas patologias da atualidade. Os critérios para diagnóstico de dependência de internet têm por base a manifestações de alguns aspectos:
1. Preocupação excessiva com a internet.
2. Necessidade de aumentar o tempo conectado (on-line) para ter a mesma satisfação.
3. Exibir esforços repetidos para diminuir o tempo de uso da internet.
4. Apresentar irritabilidade e/ou depressão.
5. Quando o uso da internet é restringido, apresentar oscilação emocional (isto é a internet utilizada como forma de “regulação emocional”).
6. Permanecer mais conectado (on-line) do que o programado.
7. Ter o trabalho e as relações familiares e sociais em risco pelo uso excessivo de internet.
8. Mentir aos outros a respeito da quantidade de tempo em que fica navegando.
Abreu acrescenta que as funções mentais são maleáveis às demandas e aos estímulos do ambiente, principalmente quando falamos nas novas formas de aprendizagem, decorrentes da nossa grande capacidade adaptativa cerebral. As interações com a internet do smartphone, provocam mudanças expressivas nas regiões corticais, associadas ao processamento motor e sensorial, em decorrência de grande estimulação das mãos e dos dedos, tão necessários à utilização dos aparelhos.
Somos da psicopedagogia, da área que dialoga com a aprendizagem, sugerimos um olhar aguçado, uma intervenção meticulosa neste assunto, ao invés apenas de levantarmos hipóteses diagnósticas, pois o uso acentuado da tecnologia ocasionará transtornos que impedirão a boa relação com o aprender e com o brincar, com influências negativas nas relações sociais. Algumas evidências já indicam, inclusive, que a navegação constante nas plataformas digitais, com o consequente decréscimo progressivo de trocas com o mundo real, provoca efeitos bastante deletérios de certas funções cognitivas. Portanto, com o uso excessivo, poderá haver perda da capacidade atencional e diminuição da criatividade, entre outros (Kymberly & Abreu, 2019).
Abreu (2020), nos alerta que a TV e o telefone, tecnologias do passado não recebiam atualizações constantes como ao celular e os equipamentos tecnológicos do momento, que são atualizados e nos criam curiosidades em nos manter conectados, para consumirmos o que não estamos necessitando. Isso demonstra a quantidade de tempo e de estímulos desnecessários em plataformas que na verdade, não nos dão ganho efetivo em termos de qualidade de vida.
Abreu (2020) nos dá dicas saudáveis:
• Desabilitar sinais sonoros dos e-mails, das redes sociais e dos aplicativos de mensagens.
• Estabelecer momentos específicos para consultar os eletrônicos.
• Manter os eletrônicos fora dos momentos das refeições e ao deitar-se.
• Aos finais de semana, manter o esforço para deixar os eletrônicos distantes da sua rotina de vida, para fazer um detox digital, para manter as suas relações sociais reais e conectado ao mundo real.
Vale a pena a leitura bibliográfica indicada para nos conscientizarmos cada vez mais que há muito a comunicar e fazer com as crianças e jovens que atendemos, mantendo a pauta sobre o uso tecnológico, nas sessões.
E, para nós, psicopedagogos, educadores e profissionais em geral, cuidemos de nossa atuação e imagem por meio da tecnologia no sentido de fazermos uma avaliação meticulosa do que postamos, pois nem tudo que postamos torna-se verdadeiro e nem tudo que é verdadeiro está postado nas redes sociais. Há um equívoco nas mensagens, no tom e nos conteúdos, por isso, a importância de investigarmos e estudarmos autores das áreas de pesquisa.
Referência bibliográfica:
Como lidar com a dependência tecnológica – guia prático para pacientes, familiares e educadores – Cristiano Nabuco de Abreu. Editora Hogrefe. 2020. São Paulo.
Tela com cautela – guia prático para criar filhos na era digital (sem perder a sanidade) Rafaela Carvalho & Roberta Ferec – Editora Matrescência. 2019. Curitiba.
Vivendo esse mundo digital – impactos na saúde, na educação e nos comportamentos sociais – Cristiano Nabuco de Abreu, Evelyn Eisenstein, Susana Graciela Bruno Estefenon – Artmed. 2013. São Paulo.
https://dependenciadeinternet.com.br/cartilha_uso_tecnologia_v5.pdf
E-book da Sociedade Brasileira de Psiquiatria: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/_22246c-ManOrient_-__MenosTelas__MaisSaude.pdf
Ruth Nassiff – Pedagoga, psicopedagoga, terapeuta de família e casal, mediadora do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI 1 e 2), do Professor Reuven Feuerstein, Orientadora Profissional, Diretora Cultural Adjunta - Gestão 2020 – 2022, da Associação Brasileira de Psicopedagogia da Seção São Paulo e Orientadora Educacional de escola privada de São Paulo.
O uso da tecnologia pelas crianças e jovens adolescentes
